O regresso da idade de ouro da ficção televisiva americana
1ª parte
Há quem se feche em casa a ver temporadas seguidas de séries em DVD. Há quem não aguente esperar mais uma semana para ver novo episódio na televisão e aceda à internet para o sacar (o significado desta palavra no dicionário é interessante: aconselho que o procurem). O mundo voltou a render-se às séries de ficção americanas. Quem nunca ouviu falar de “24”, “Perdidos”, “Dr.House” ou “Anatomia de Grey”?
Não há uma grande série no momento, há várias. Obrigam-nos a seguir cada episódio sob pena de se perder o fio à meada, criando novos hábitos. Há uma revolução criativa, um desafio à subtileza do telespectador e uma vontade de querermos saber mais sobre a série e sobre as personagens. Somos forçados a gravar, piratear, discutir e trocar opiniões sobre um mundo e personagens em evolução, que nos acompanham todas as semanas.
A escrita e a forma de contar histórias é incrivelmente densa, o que resulta em enredos fascinantes, mas também arriscados. Um elemento presente nas novas séries é a ambuiguidade das personagens. A fronteira entre o bem e o mal é muito ténue e muitas das vezes o herói não é completamente bom e isento de culpa. Veja-se o caso de Jack Bauer em “24” - salva sempre o mundo das piores situações de terrorismo, mas espalha pelo seu percurso, a morte e tortura - ou de Dr. House - bruto na relação com pacientes, amigos, colegas e família, mas que descobre sempre a salvação para o caso mais complicado. Muitas das vezes as personagens mais interessantes são as mais sórdidas e violentas, porque tornam a narrativa mais complexa e imprevisível.
O fascinante em muitas séries é que são mais ousadas do que muitos filmes. Não só mostram coragem ao “matar” personagens essenciais para o espectador, mas também ao tocar nos temas que muitas das vezes se tornam tabu no cinema, tal como a série “Letra L”, que aborda a temática lésbica de uma forma sensual e despreocupada. E porque é que isto não está a acontecer no cinema? Neste momento, o cinema é, acima de tudo, um negócio, um bem económico guiado pelo resultado de bilheteira na primeira semana de exibição e em que os blockbusters e as sequelas são o prato forte. Não é o suporte ideal para os riscos criativos que se passam neste momento na televisão. Os filmes são muito caros, o que faz com que haja algum receio dos realizadores e produtores em aventurar-se, o que acaba por torná-los mais previsíveis. No cinema, acresce a existência de limitações narrativas, porque em duas horas não se consegue desenvolver personagens com a perfeição que uma série pode obter.
Mas sem sombra de dúvida, a qualidade narrativa desta revolução que está a passar neste momento na televisão é unânime para todos: críticos de televisão, argumentistas, realizadores e telespectadores. Podemos afirmar que estamos a viver uma época de maturidade da narrativa televisiva, uma época de ouro de séries de ficção americanas.
Baseado no artigo “A revolução está a passar na televisão”, do suplemento Y ( jornal Público de 20 de Abril de 2007)
1ª parte
Há quem se feche em casa a ver temporadas seguidas de séries em DVD. Há quem não aguente esperar mais uma semana para ver novo episódio na televisão e aceda à internet para o sacar (o significado desta palavra no dicionário é interessante: aconselho que o procurem). O mundo voltou a render-se às séries de ficção americanas. Quem nunca ouviu falar de “24”, “Perdidos”, “Dr.House” ou “Anatomia de Grey”?
Não há uma grande série no momento, há várias. Obrigam-nos a seguir cada episódio sob pena de se perder o fio à meada, criando novos hábitos. Há uma revolução criativa, um desafio à subtileza do telespectador e uma vontade de querermos saber mais sobre a série e sobre as personagens. Somos forçados a gravar, piratear, discutir e trocar opiniões sobre um mundo e personagens em evolução, que nos acompanham todas as semanas.
A escrita e a forma de contar histórias é incrivelmente densa, o que resulta em enredos fascinantes, mas também arriscados. Um elemento presente nas novas séries é a ambuiguidade das personagens. A fronteira entre o bem e o mal é muito ténue e muitas das vezes o herói não é completamente bom e isento de culpa. Veja-se o caso de Jack Bauer em “24” - salva sempre o mundo das piores situações de terrorismo, mas espalha pelo seu percurso, a morte e tortura - ou de Dr. House - bruto na relação com pacientes, amigos, colegas e família, mas que descobre sempre a salvação para o caso mais complicado. Muitas das vezes as personagens mais interessantes são as mais sórdidas e violentas, porque tornam a narrativa mais complexa e imprevisível.
O fascinante em muitas séries é que são mais ousadas do que muitos filmes. Não só mostram coragem ao “matar” personagens essenciais para o espectador, mas também ao tocar nos temas que muitas das vezes se tornam tabu no cinema, tal como a série “Letra L”, que aborda a temática lésbica de uma forma sensual e despreocupada. E porque é que isto não está a acontecer no cinema? Neste momento, o cinema é, acima de tudo, um negócio, um bem económico guiado pelo resultado de bilheteira na primeira semana de exibição e em que os blockbusters e as sequelas são o prato forte. Não é o suporte ideal para os riscos criativos que se passam neste momento na televisão. Os filmes são muito caros, o que faz com que haja algum receio dos realizadores e produtores em aventurar-se, o que acaba por torná-los mais previsíveis. No cinema, acresce a existência de limitações narrativas, porque em duas horas não se consegue desenvolver personagens com a perfeição que uma série pode obter.
Mas sem sombra de dúvida, a qualidade narrativa desta revolução que está a passar neste momento na televisão é unânime para todos: críticos de televisão, argumentistas, realizadores e telespectadores. Podemos afirmar que estamos a viver uma época de maturidade da narrativa televisiva, uma época de ouro de séries de ficção americanas.
Baseado no artigo “A revolução está a passar na televisão”, do suplemento Y ( jornal Público de 20 de Abril de 2007)


0 Comments:
Post a Comment
Subscribe to Post Comments [Atom]
<< Home