O BOM ALEMÃODesde a obra que o lançou para a fama, “Sexo, Mentiras e Vídeo”, Steven Soderbergh evidenciou logo uma das características mais marcantes da sua carreira: a força das imagens e a vontade de experimentar, não se prendendo num género e experimentando todo o tipo de linguagens e temas, que o cinema tem para oferecer.
“O Bom Alemão” é até à data o mais radical de todos os filmes de Soderbergh, que usa o “film noir” e o ambiente de Berlim no pós-II Guerra Mundial como base para um exercício de estilo, simulando uma produção dos estúdios de Hollywood dos anos 40, usando as mesmas técnicas de câmara, transições, iluminação, em cenários inteiramente reconstituidos em estúdio, e o uso do preto e branco.
Foi uma produção razoavelmente barata, financiada por um grande estúdio e com actores conhecidos, como George Clooney, Cate Blanchett e Tobey Maguire.
A sua ideia foi revisitar o cinema clássico americano, “piscando o olho” a alguns clássicos do cinema como “Casablanca” de Michael Curtiz, onde transpõe a cena do aeroporto, e também a “O Terceiro Homem” de Carol Reed, sobretudo pela sequência nos túneis de esgoto. A própria personagem de Blanchett tem semelhanças com Marlene Dietrich, que habitualmente representava mulheres fortes e trágicas, que exerciam o seu poder sobre o sexo masculino.
Dominado por personagens de moral dúbia, o filme usa como elo de ligação entre estas um matemático alemão que é procurado por americanos e russos, mas cujo paradeiro é desconhecido. No centro de toda a intriga temos Lena, esposa do desaparecido, que entretanto reencontra Jake, um repórter americano com quem manteve uma relação.
Neste filme não há heróis nem vilões. Ao contrário do que constituia a essência do cinema clássico, o espectador não tem figuras com que se identificar, nem se apercebe de uma narrativa coerente e organizada. Aliás Soderbergh preocupa-se mais com a criação de atmosferas, do falso visual de documentário de época, menosprezando um pouco a densidade dos personagens, meros veiculos de um exercício de estilo filmico.
Soderbergh filmou apenas o que iria aproveitar na montagem final, utilizando imagens de arquivo da época, recorrendo à técnica de “Chroma Key” para simular viagens de automóvel por Berlim, recriando a cidade nos estúdios da Universal em Burbank.
Filme competente tecnicamente, porém com um elenco sub-aproveitado, “O Bom Alemão” é uma obra que se divide entre sequências brilhantes, onde Soderbergh nos mostra toda a sua mestria técnica (tendo-se encarregue também da montagem e da fotografia, esta última a mais valia do filme), mas também num argumento com algumas lacunas e pouco aprofundado, um pouco perdido na recriação de filme de época, que dá mais valor ao aspecto que ao conteúdo.
De qualquer maneira, um filme para todos os amantes do “film noir”, uma boa oportunidade de revisitar um clássico com o olhar moderno e “savoir faire” técnico de Steven Soderbergh. Um filme a ver!

